28.4.13

Anfiguri

Aquilo que eu ouso
Não é o que quero
Eu quero o repouso
Do que não espero.
Não quero o que tenho
Pelo que custou
Não sei de onde venho
Sei para onde vou.
Homem, sou a fera
Poeta, sou um louco
Amante, sou pai.
Vida, quem me dera…
Amor, dura pouco…
Poesia, ai!…

22.8.10

SOBRE O AMOR

Considerado como principio e esteio da ordern social

Não foram, caro SOUZA, as Lyras de oiró
De Orpheo, e de Amphion, que os Leões bravos,
E os indomitos Tigres amansando ,
As cidades fundaram

Embora finjam mentirosos vates,
Que as torcidas raizes desprendendo
As arvores annosas, que os penedos,
Apoz elles comeram

Tu , só tu, puro Amor, despir podeste
Da estupida bruteza a humana especie ;
So tu soubeste unir em firmes laços
Os dispersos humanos.

Sem ti insociaveis viviriam ,
Nas escarpadas serras , embrenhados ;
Ou nos sombrios verde-negros bosques ,
Em pasmada tristeza

As fugitivas horas passariam,
Em languido lethargo submergidos ,
Té que o pungente estimulo da fome
Lhes espantasse o somno.

Os singelos prazeres da amisade ,
Prazeres suavissimos , so dados
Aos peitos generosos, e sensiveis,
Provar nao poderiam.

As sciencias, as artes sepultadas,
No seio da Ignorancia inda jazéram ;
Que inerte, e frouxo a nada se atrevéra
Um peito enregelado.

As bellas Marcias, as gentis Lycores,
Em vão dos vivos olhos fusiláram
Accesos raios, com que audaz fulminas
Rebeldes esquivanças.

Suas vermelhas engraçadas bocas,
Em vao , meigos sorrisos soltariam ,
Tingindo as juvenis mimosas faces
De pudibundas rosas.

Anhelantes suspiros , brandas queixas ,
Ternos agrados, carinhosos gestos ,
Nada mover os peitos poderia
Dos animados troncos.

Dos Risos, e das Graças rodeada ,
Venus com farta mao nao derramara
Em seos rústicos leitos brandas flores,
Flores que tu só colhes.

O gosto de abraçar a cara Esposa ,
De se ver renascer nos doces filhos,
De educar cidadaos , nutrir virtudes ,
Coitados ! não sentiram.

Vira-se em breve , co'o volver dos annos ,
Hermo de novo , o povoado mundo ,
Té que do seio da fecunda terra
Outros homens brotassem.

Ah ! crê-me, SOUZA, Amor, Amor , somente
A vasta Natureza vivifica :
Amor nossos prazeres todos géra ,
Nossos males adoça.

O soldado animoso , que se arroja
Com brio denodado a expôr a vida ,
Em defensa da Patria ameaçada
De inimigas phalanges ;

Depois de haver sofrido longas marchas
Per aridos sertões, per frias serras,
Arrastrando cansado os cavos bronzes
Nas pesadas carretas ;

Depois de ouvir nas horridas batalhas ,
Troando o furiosa artilheria ,
Pelos ares silvar os ferreos globos
Que a morte envolta levam ;

Depois de ver os rápidos ginetes
Atropelado os fulminados corpos
Dos cabidos guerreiros, que em vao pedem
Vingança , ou Piedade ,

Entre os braços da timida donzela ,
Que Amor lhe prometera , prompto esquece
As passadas fadigas, os horrores
Da guerra sanguinosa.

O misero cultor, que industrioso
Do fertil seio da benigna terra
Faz abrolhar oe preciosos frutos ,
Que a vida nos sustentam,

Ou já sofra no frigido Janeiro ,
Em quanto o arado rege, os finos sopros,
Com que lhe tolhe os calejados dedos
O gelado Nordeste ;

Ou já suporte no calmoso Estio
Do abrazado Suão o ardente bafo,
Cuidoso , o loiro trigo debulhando
Nas pulvereas eiras;

Apenas desenvolví o denso manto
Sobre a face da Terra a noite amiga ,
Se o repouso procura aos lassos membros
Na rustica morada ,

Vendo a fiel consorte , que saudosa
Ao encontro lhe sahe, e o caro filho,
Que largando da Mae o doce peito ,
Lhe estende os tenros braços,

Em ternura suavissima desfeito ,
Que o casto amor no coraçao lhe entorna ,
Contente ja de sua humilde sorte
Bendiz a Providencia.

Assim , ó SOUZA , na fiel balança,
Onde a Razao os bens, e os males pesa ,
Se vê que, sem Amor , a vida humana
Seria insuportavel.

Sousa Caldas

17.7.10

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?


Cecília Meireles

7.7.10

Bilhete

"Se tu me amas, ama-me baixinho Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."

Mário Quintana

O CORVO

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Edgar Allan Poe

Incenso Fosse Música

isso de querer ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além

Paulo Leminski
"A gente sempre destrói aquilo que mais ama
em campo aberto, ou numa emboscada;
alguns com a leveza do carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo,
os valentes, destroem com a espada."

Oscar Wilde