22.8.10

SOBRE O AMOR

Considerado como principio e esteio da ordern social

Não foram, caro SOUZA, as Lyras de oiró
De Orpheo, e de Amphion, que os Leões bravos,
E os indomitos Tigres amansando ,
As cidades fundaram

Embora finjam mentirosos vates,
Que as torcidas raizes desprendendo
As arvores annosas, que os penedos,
Apoz elles comeram

Tu , só tu, puro Amor, despir podeste
Da estupida bruteza a humana especie ;
So tu soubeste unir em firmes laços
Os dispersos humanos.

Sem ti insociaveis viviriam ,
Nas escarpadas serras , embrenhados ;
Ou nos sombrios verde-negros bosques ,
Em pasmada tristeza

As fugitivas horas passariam,
Em languido lethargo submergidos ,
Té que o pungente estimulo da fome
Lhes espantasse o somno.

Os singelos prazeres da amisade ,
Prazeres suavissimos , so dados
Aos peitos generosos, e sensiveis,
Provar nao poderiam.

As sciencias, as artes sepultadas,
No seio da Ignorancia inda jazéram ;
Que inerte, e frouxo a nada se atrevéra
Um peito enregelado.

As bellas Marcias, as gentis Lycores,
Em vão dos vivos olhos fusiláram
Accesos raios, com que audaz fulminas
Rebeldes esquivanças.

Suas vermelhas engraçadas bocas,
Em vao , meigos sorrisos soltariam ,
Tingindo as juvenis mimosas faces
De pudibundas rosas.

Anhelantes suspiros , brandas queixas ,
Ternos agrados, carinhosos gestos ,
Nada mover os peitos poderia
Dos animados troncos.

Dos Risos, e das Graças rodeada ,
Venus com farta mao nao derramara
Em seos rústicos leitos brandas flores,
Flores que tu só colhes.

O gosto de abraçar a cara Esposa ,
De se ver renascer nos doces filhos,
De educar cidadaos , nutrir virtudes ,
Coitados ! não sentiram.

Vira-se em breve , co'o volver dos annos ,
Hermo de novo , o povoado mundo ,
Té que do seio da fecunda terra
Outros homens brotassem.

Ah ! crê-me, SOUZA, Amor, Amor , somente
A vasta Natureza vivifica :
Amor nossos prazeres todos géra ,
Nossos males adoça.

O soldado animoso , que se arroja
Com brio denodado a expôr a vida ,
Em defensa da Patria ameaçada
De inimigas phalanges ;

Depois de haver sofrido longas marchas
Per aridos sertões, per frias serras,
Arrastrando cansado os cavos bronzes
Nas pesadas carretas ;

Depois de ouvir nas horridas batalhas ,
Troando o furiosa artilheria ,
Pelos ares silvar os ferreos globos
Que a morte envolta levam ;

Depois de ver os rápidos ginetes
Atropelado os fulminados corpos
Dos cabidos guerreiros, que em vao pedem
Vingança , ou Piedade ,

Entre os braços da timida donzela ,
Que Amor lhe prometera , prompto esquece
As passadas fadigas, os horrores
Da guerra sanguinosa.

O misero cultor, que industrioso
Do fertil seio da benigna terra
Faz abrolhar oe preciosos frutos ,
Que a vida nos sustentam,

Ou já sofra no frigido Janeiro ,
Em quanto o arado rege, os finos sopros,
Com que lhe tolhe os calejados dedos
O gelado Nordeste ;

Ou já suporte no calmoso Estio
Do abrazado Suão o ardente bafo,
Cuidoso , o loiro trigo debulhando
Nas pulvereas eiras;

Apenas desenvolví o denso manto
Sobre a face da Terra a noite amiga ,
Se o repouso procura aos lassos membros
Na rustica morada ,

Vendo a fiel consorte , que saudosa
Ao encontro lhe sahe, e o caro filho,
Que largando da Mae o doce peito ,
Lhe estende os tenros braços,

Em ternura suavissima desfeito ,
Que o casto amor no coraçao lhe entorna ,
Contente ja de sua humilde sorte
Bendiz a Providencia.

Assim , ó SOUZA , na fiel balança,
Onde a Razao os bens, e os males pesa ,
Se vê que, sem Amor , a vida humana
Seria insuportavel.

Sousa Caldas